
O Tabuleio Ouija
O tabuleiro Ouija, criado no século XIX como um simples jogo de salão durante o auge do espiritismo, tornou-se ao longo do tempo um ícone cercado de mistério, medo e polêmicas — visto por uns como mera curiosidade movida pelo efeito ideomotor, por outros como um perigoso portal espiritual — e segue, mais de um século depois, despertando o mesmo fascínio e inquietação sobre a possibilidade de falar com o além.
Neste artigo:
Introdução
Poucos objetos carregam tanta aura de mistério quanto o tabuleiro Ouija. Ele é simples — letras, números, as palavras sim, não e adeus —, mas basta colocar os dedos sobre o pequeno indicador de madeira, o planchette, para que o clima mude completamente. Luzes se apagam, o silêncio pesa, e todo mundo começa a suar frio. A pergunta é inevitável: será mesmo que dá pra falar com os mortos?

O tabuleiro Ouija exerce uma grande atração em função da aura de mistério e histórias assustadoras que o cercam.
Apesar da fama de “brinquedo demoníaco” e dos avisos de religiosos e céticos, o Ouija tem uma origem bem mais mundana. Tudo começou no século XIX, durante o auge do espiritismo nos Estados Unidos e na Europa. Naquela época, era moda participar de sessões mediúnicas, onde mesas batiam, copos se moviam e supostos espíritos davam respostas a perguntas sobre o além.
As pessoas adoravam — mas havia um problema: o processo era demorado. As mesas batiam uma vez para “A”, duas para “B”, e assim por diante. Então, alguns inventores resolveram acelerar o contato com o outro lado criando algo prático. Em 1890, três empreendedores americanos — Charles Kennard, Elijah Bond e William Fuld — registraram oficialmente o Ouija Board como um jogo de salão. Isso mesmo: ele foi lançado comercialmente como um passatempo, vendido em lojas de brinquedos, muito antes de Hollywood transformá-lo em um ícone do terror.

Williand Fuld, um dos responsáveis pelo surgimento do tabuleiro Ouija.
A palavra “Ouija” também é cercada de mistério. Segundo uma das versões, ela teria sido revelada durante uma sessão espírita, quando o tabuleiro “disse” o próprio nome, garantindo que significava “boa sorte” em egípcio antigo (o que, claro, é falso). Outra teoria diz que o nome veio da junção de oui (sim, em francês) e ja (sim, em alemão), ou seja, “sim-sim” — algo que combina com a ideia de comunicação afirmativa.
O funcionamento é simples: o grupo se reúne ao redor do tabuleiro, coloca os dedos levemente sobre o planchette, e alguém faz a primeira pergunta. Então, o indicador começa a se mover — supostamente guiado por espíritos — e forma palavras letra por letra.

O tabuleiro possui letras, números, opção de sim e não, permitindo a formação de frases e respostas.
Mas há uma explicação científica para isso: o chamado efeito ideomotor. Segundo psicólogos, nossos músculos fazem micromovimentos inconscientes, influenciados pelas expectativas e emoções. Em outras palavras, o planchette se move sozinho… mas somos nós que o movemos sem perceber.
Mesmo assim, há quem jure de pés juntos que viu coisas acontecerem que desafiam qualquer lógica: objetos voando, vozes estranhas, lâmpadas piscando ou respostas com informações que ninguém na sala poderia saber.
A fama “maldita” do Ouija nasceu principalmente graças ao cinema e à cultura popular. Filmes como O Exorcista (1973) transformaram o tabuleiro em símbolo de possessão e portal para o inferno. No clássico de William Friedkin, a garotinha Regan começa a brincar com o Ouija e acaba possuída pelo demônio Pazuzu — e pronto, a imagem do “brinquedo do capeta” se espalhou pelo mundo.

Elijah Bond, um dos responsáveis pelo surgimento do tabuleiro Ouija.
Depois disso, o Ouija virou um dos elementos mais recorrentes em histórias de terror — de séries de TV a vídeos no YouTube. A cada nova geração, grupos de adolescentes decidem “testar o destino” com o tabuleiro, geralmente em locais mal-assombrados, e invariavelmente algo dá errado.
Mesmo as versões modernas, vendidas pela Hasbro, vêm com advertências sutis. Oficialmente, é apenas um “jogo de entretenimento”. Mas, para muitos, ele é um canal perigoso, que pode “abrir portas” que ninguém sabe fechar.
Relatos sobrenaturais envolvendo o Ouija são inúmeros. Há quem diga que espíritos zombeteiros se passam por parentes falecidos, outros afirmam ter entrado em contato com entidades hostis.
Um dos nomes mais citados é Zozo, suposto espírito maligno que se apresenta frequentemente em sessões de Ouija. Muitos usuários relatam que o ponteiro começa a se mover rapidamente entre as letras “Z-O-Z-O”, e logo depois o ambiente se torna pesado, com ruídos e sombras aparecendo.
Céticos dizem que tudo não passa de sugestão psicológica, mas alguns incidentes registrados sugerem algo mais. Há casos de histeria coletiva, desmaios, e até acidentes fatais após brincadeiras com o tabuleiro, geralmente envolvendo jovens impressionáveis.

Charles Kennard, um dos responsáveis pelo surgimento do tabuleiro Ouija.
Para médiuns e estudiosos do espiritismo, o Ouija pode realmente servir como instrumento de comunicação, mas é perigoso se usado sem preparo. Segundo essa visão, ele seria uma espécie de “telefone cósmico”, capaz de atrair qualquer tipo de espírito, inclusive os mais inferiores.
Allan Kardec, o codificador do espiritismo, já alertava sobre os riscos de “evocações levianas”, que poderiam atrair entidades zombeteiras. Assim, muitos espiritualistas recomendam evitar o uso do tabuleiro fora de contextos sérios e mediúnicos.
A psicologia também entra em cena para explicar o fascínio e o medo que o Ouija provoca. A combinação de ambiente escuro, expectativa coletiva e sugestão cria o cenário perfeito para experiências intensas. O cérebro humano é especialista em preencher lacunas e transformar coincidências em padrões — algo chamado de pareidolia cognitiva.
Em resumo: se todos acreditam que algo vai acontecer, o grupo pode realmente “sentir” que o planchette se move sozinho. É o mesmo princípio por trás das mesas girantes do século XIX ou dos modernos desafios paranormais da internet.
A Linha do Tempo
1886 — O “tabuleiro falante” surge:
Jornais americanos relatam o uso de um “talking board” em Ohio. É o antecessor direto do Ouija, com letras, números e um ponteiro improvisado.
1890 — O Ouija é patenteado:
Elijah Bond e Charles Kennard registram oficialmente o tabuleiro como jogo comercial. A patente menciona que o objeto é “capaz de responder perguntas sobre o passado, presente e futuro”.
1901 — William Fuld assume a produção:
Fuld se torna o principal fabricante e promotor do Ouija. É ele quem transforma o objeto em sucesso nacional e cria a lenda de que “Ouija significa boa sorte em egípcio antigo”.
A sessão que previu uma tragédia (1916):
Durante a Primeira Guerra Mundial, um grupo de mulheres em Ohio afirmou ter recebido mensagens via Ouija dizendo que um navio americano seria afundado em breve. Poucas semanas depois, o Lusitania foi torpedeado por um submarino alemão. Muitos interpretaram isso como uma real comunicação com espíritos.
A “mão invisível” que escreveu um best-seller (1917):
A escritora Pearl Curran dizia receber seus textos através do tabuleiro, ditados por uma entidade chamada Patience Worth, supostamente o espírito de uma mulher do século XVII. O caso virou sensação nos Estados Unidos, e até hoje estudiosos debatem se Curran realmente era médium ou apenas uma escritora genial.
1920 — Sessões mediúnicas em massa:
Após a Primeira Guerra Mundial e a gripe espanhola, milhões de pessoas recorrem ao Ouija para tentar falar com parentes mortos. Até a esposa do presidente americano Woodrow Wilson teria usado um tabuleiro.

Milhões de pessoas já usaram o Tabuleiro Ouija, porém na maioria das vezes gerou algum tipo de transtorno aos praticantes.
O crime de Buffalo (1930):
Um dos casos mais perturbadores ligados ao Ouija aconteceu em Buffalo, Nova York. Duas mulheres afirmaram ter assassinado outra pessoa sob instruções recebidas pelo tabuleiro, que teria “ordenado” o crime. O episódio virou manchete nos jornais da época e reforçou a reputação sinistra do jogo.

Os jornais da época deram amplo destaque ao chamado Crime de Buffalo.
1973 — O Exorcista populariza o medo:
O filme mostra o tabuleiro como canal demoníaco, e sua imagem muda para sempre. As vendas do jogo disparam, mas também as histórias de terror.
1990 — O caso Vallecas (Espanha):
Na Espanha, uma adolescente chamada Estefanía participou de uma sessão de Ouija na escola, tentando contatar o espírito do namorado falecido. Após o tabuleiro “quebrar”, ela começou a apresentar sintomas estranhos — desmaios, convulsões e gritos. Pouco tempo depois, morreu sem explicação médica. O caso, conhecido como o “Expediente Vallecas”, foi investigado pela própria polícia de Madri, e os agentes relataram fenômenos inexplicáveis na casa da jovem. Até hoje, é um dos episódios paranormais mais conhecidos da Europa.

A família de Estefanía ergueu um altar em homenagem à jovem.

Vários fenômenos paranormais ocorreram na casa da família, depois do uso do tabuleiro Ouija.

A família de Estefanía mostra uma fotografia da jovem que incendiou-se sozinha.
2000–2010 — O fenômeno Zozo:
Em fóruns da internet, especialmente nos anos 2000, centenas de relatos começaram a surgir sobre o espírito “Zozo”. Muitos descrevem comportamentos idênticos: o ponteiro correndo rapidamente, risadas nas paredes e a sensação de ser observado. O nome se tornou uma espécie de lenda digital do Ouija moderno, uma mistura de mito urbano com medo ancestral.
2014 — Hollywood ressuscita o tabuleiro:
O filme Ouija (2014) e sua sequência Origem do Mal (2016) trazem o jogo de volta às telas e à cultura pop, reforçando seu status de ícone sobrenatural.
Polêmica
As movimentações que ocorrem no tabuleiro ouija se devem ao efeito ideomotor. As pessoas participantes da sessão involuntariamente exercem uma força imperceptível sobre o indicador utilizado, e a conjunção da força exercida por várias pessoas faz o objeto se mover.
O físico também britânico Michael Faraday realizou experimentos que comprovaram que os movimentos das mesas girantes, atribuídos a fontes ocultas, eram realizados inconscientemente pelos próprios participantes dos experimentos. O mesmo princípio se aplica ao tabuleiro ouija. O mágico ilusionista e cético estadunidense James Randi também realizou um experimento, citado em seu livro An Encyclopedia of Claims, Frauds, and Hoaxes of the Occult and Supernatural. Randi demonstrou que quando os participantes do tabuleiro ouija são vendados eles não conseguem produzir mensagens inteligíveis.

O físico Michael Faraday, que fez estudos sobre o Tabuleiro Ouija.
No meio especializado há diversos avisos contra o uso do tabuleiro por pessoas desavisadas. Há também notícias de tabloides relatando casos de suposta possessão demoníaca em decorrência de sessões envolvendo espíritos malignos.
A Igreja Católica critica o tabuleiro e a brincadeira do copo, assim como as experiências de seus fiéis na busca do contato com os mortos em geral. A recomendação dos padres é que os fiéis se mantenham distantes de participações nesse tipo de evento. Segundo alguns padres exorcistas, como Gabriele Amorth, este tipo de jogo pode contatar demônios. Em seus livros ele relata inúmeras possessões causadas pelo uso desses jogos. O padre alerta que o uso de objetos com objetivo de conhecer e acessar o oculto é mantém-se o fato de atribuir a esse objeto um poder que ele não possui, para conhecer coisas que só Deus conhece. Sobre o mesmo assunto o Pe. Gary Thomas reconhecido pela diocese de San José, na Califórnia pelo seu trabalho como exorcista, afirma que as pessoas que usam o Tabuleiro Ouija, estão se expondo a ações de demônios e diz que “Como essas forças não vêm de Deus nem de seus anjos, só podem provir do espírito das trevas“.
O padre exorcista Gabrielle Amorth.
Da mesma forma, Igrejas Evangélicas definem essas práticas como “brincadeiras com demônios”.
Allan Kardec, codificador da Doutrina Espírita, orienta em seu O Livro dos Médiuns, no caso de comunicações frívolas (fúteis ou levianas), que estas práticas devem ser evitadas porque, normalmente, são utilizadas para curiosidades em geral e somente são feitas perguntas vãs, longe da seriedade exigida no intercâmbio com a espiritualidade benfeitora. Assim, o espiritismo, nesse caso particular de comunicações frívolas, considera que é mais provável a presença de espíritos levianos e zombeteiros, sem nenhum interesse com a verdade e com a dignidade, do que espíritos bons e esclarecidos comprometidos com a divulgação de propostas morais e éticas.

O padre exorcista Gary Thomas.
Mais do que um simples jogo, o Ouija é um espelho das nossas crenças e medos. Ele mostra o quanto a humanidade deseja (e teme) um contato com o além. Mesmo num mundo tecnológico, cheio de inteligência artificial e telescópios que veem o nascimento das estrelas, a ideia de que podemos conversar com o invisível continua irresistível.

O Tabuleiro Ouija foi lançado como um simples jogo para entretenimento de grupos.
Afinal, o que é mais assustador: imaginar que estamos sozinhos… ou que não estamos?
O tabuleiro Ouija está preso nesse paradoxo entre curiosidade e perigo. Para uns, é só um brinquedo inocente; para outros, uma ferramenta de comunicação espiritual legítima; e para muitos, um portal para o desconhecido.
Seja qual for sua crença, uma coisa é certa: o mistério continua. E talvez seja justamente isso que o mantém vivo há mais de um século.
Então, se um dia alguém sugerir “vamos jogar Ouija”, pense bem antes de dizer sim. Porque, dizem por aí, nem sempre quem responde é quem você espera…
Com informações de:


